A greve da USP é um problema?

Em resposta ao texto do Professor Hernan Chaimovich Guralnik: https://jornal.usp.br/articulistas/hernan-chaimovich-guralnik/a-greve-na-usp-e-suas-consequencias/

Carissíssimo Professor Hernan,

Sou doutorando do programa de bioquímica e gostaria de fazer alguns comentários sobre seu último texto sobre a greve da USP e suas consequências.

Fico muito feliz que o senhor tenha aberto o debate de um ponto de vista que me parece comum aos demais professores do instituto. Sou muito fã do seu trabalho e da sua coragem literária.

Hoje, eu falo de um lugar que vejo como um estado de transição entre a discência e a docência. De onde estou, ainda consigo entender os estudantes. Você se lembra da sua época de estudante? Como foi? Você consegue imaginar como seria, se no seu primeiro dia na universidade, descobrisse que há falta de professores e de que existe a possibilidade de fechamento do seu curso?

Para ser mais direto, eu penso que essa questão das narrativas anticomunistas não tem força para destruir a universidade. Elas funcionam como uma cortina de fumaça para nos confundir. O que pode acabar destruindo a universidade é a nossa falta de união. Essa agenda que quer o desmonte da universidade conseguiu implantar mecanismos internos que nos colocam nesse caminho.

Fala-se muito da questão do número de docentes, mas este fator está associado ao número de alunos. Não adianta aumentar em X o número de docentes, se o número de alunos aumentar 2X. Nesse cenário, o colapso é óbvio. É isso que está acontecendo na USP. O número de docentes não acompanha o número de cursos e estudantes. Infelizmente, esse problema é mais sério do que os ataques bolsonaristas nas redes sociais.

Na minha opinião, as duas pautas mais importantes dessa greve são a volta do gatilho automático, que permite a contratação automática de professores que se aposentam ou morrem e o fim das contratações por mérito. A questão da contratação por mérito fomenta as desigualdades entre os institutos. Talvez por isso seja difícil entender a dimensão do problema de dentro de um instituto que tem se beneficiado do mérito. Mas a questão é que a universidade é uma só. Se hoje é a FFLCH, amanhã será o IQ.

Não vejo a greve dos estudantes como um problema. Eu penso que um dos produtos mais importantes da universidade é o pensamento. E, paradoxalmente, produzimos mais quando paramos. As novas soluções para resolver questões da sociedade, às vezes, demandam muito mais trabalho mental do que físico. E este trabalho mental é mais efetivo quando acontece de forma coletiva. Por exemplo, ontem tivemos uma assembleia dos estudantes de pós-graduação que não acontecia há anos. Talvez esta reunião tenha sido mais importante do que todas as aulas que tive até agora.

Enfim, eu consigo entender perfeitamente o seu posicionamento. Eu tenho percebido que nessa metamorfose, de aluno para professor, acabamos por endurecer. Como o tronco de uma árvore que vai criando uma casca grossa. Talvez seja inevitável, mas acho que é importante endurecer sem perder a ternura. Se perdemos a ternura do cerne, o tronco seca e morre.


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